sábado, 4 de setembro de 2010

Casa Aberta




Meu vizinho tem uma casa aberta. Sim, literalmente, uma casa aberta.
De inicio, me espantei ao perceber que a geladeira, o fogão, o sofá amarelo, a garrafa de café sobre a mesinha de madeira, e as cadeirinhas bem arrumadinhas, fosse a casa deles. Deles porque são três rapazes. Aberta porque é ao ar livre. Somente o(s) quarto(os) são fechados.

É um sobrado enorme. Do meu quintal consigo ver a parte de cima do sobrado.
Antigamente, achava que era apenas a área de "lazer" dos moradores debaixo, mas domingo passado, vi que era o lar, realmente dos três rapazes.
Estava eu no meu quintal, lendo um livro, quando me deparei com um rapaz também muito concentrado na leitura. Com muita curiosidade, comecei a observá-lo. Em cima do sofá tinha uma mochila e logo em seguida, um outro rapaz apareceu, vindo do corredor com um copo na mão. Abriu a geladeira, pegou uma Coca-Cola, e agarrou a revista, deitando relaxadamente no simpático sofá amarelo.

Enquanto observava-os, minha mente imaginava porções de histórias sobre eles. Histórias baseadas nas perguntas básicas, como: quem eram? Desde quando moravam ali? Por que moravam apenas os três? A partir daquele domingo, a curiosidade pela vida deles, me rodeava.

Entendam, não sou o tipo de pessoa que "cuida" da vida dos outros, mas à eles, atribuo esta vontade à necessidade de preencher algo que não consigo dizer.

Hoje pela manhã, precisamente às 4h47, fui observá-los. Entre a escuridão da madrugada, e a luz da lua, um dos rapazes estava lá, no sofá amarelo. Com uma xícara na mão vermelha, ele parecia contar as estrelas. Talvez pensando na vida, pensando no que poderia ter feito, ou no que vai fazer. Sempre invento uma história pra eles. Acho que eles viraram meus personagens.

A personalidade deles eu também inventei. Este, "das estrelas" é o meu favorito. Ele parece um pouco perdido as vezes, um tanto avoado.. um tanto familiar.
Não consigo descrevê-los fisicamente, pois não os vejo. São inespressiveis, misteriosos...
Tenho a impressão que eles são eu.

Na realidade, esta "casa aberta" para o mundo me atormenta. Esta falta de privacidade deles me pertuba. Mas mesmo nesta situação constrangedora da minha parte, eu continuo espiando-o, continuo inventando estas histórias...

Talvez um dia eu os conheça de verdade, e possa entender que a "casa" deles nunca fora aberta para os outros.


Thais Souza.